Quem questiona o treinamento de segurança?

Recentemente em uma certificação em 6D´s: as seis disciplinas que transformam a educação em resultados para o negócio, na minha busca incessante de tornar útil e agregador o tempo investido pelas empresas na capacitação de seus colaboradores, me deparei com uma resposta para algo que me afligia há alguns anos.

Não era raro eu sair de uma reunião (para qual eu me preparava com argumentos e teses para defesa da minha proposta) com líderes de alto escalão – para negociação ou mesmo kick off de um projeto de capacitação em segurança comportamental – com um sentimento difuso de alegria e inquietação. Alegria porque normalmente o projeto era aprovado com certa facilidade e surgiam poucas dúvidas, questionamentos ou objeções. E inquietação, pois para mim, a relevância e profundidade que o tema de segurança tem para as empresas, deveria provocar mais questionamentos e interesse sobre as etapas do projeto, suas métricas e resultados esperados. E de alguma maneira eu também me sentia um pouco incompetente em não ter proporcionado uma possibilidade de conversa que pudesse alcançar essa profundidade que parece ser óbvia (para mim).

Essa sensação de estar com a liderança das empresas e não conseguir alcançar o âmago da questão no que se refere a segurança do trabalho, ainda é algo vivo em mim e que começou a apontar sinais de resposta quando estudei a D1 no curso de certificação em 6D´s, mas é importante frisar que não se limita a isso.

A D1 diz respeito a uma primeira etapa (num total de 6) que precisamos adotar para desenhar uma jornada de aprendizagem, que é: determinar quais resultados essa aprendizagem trará para o negócio. Ou seja, o primeiro passo é conectar como a melhoria de desempenho de um profissional pode impactar o negócio – aumentando resultados ou diminuindo perdas. No entanto, quando se analisa com um pouco mais de cuidado, é possível perceber que muitas questões que podem melhorar comportamentos e desempenho rotineiro, não estão ligadas à desenvolvimento de habilidades e competências, e portanto, não precisam ser resolvidas com treinamentos. Alguns exemplos comuns são: expectativas de entregas não claras; falta de feedback; falta de incentivo; falta de consequências; ferramentas inadequadas; falta de acesso à informação, entre outras.

O percentual de retorno sobre investimento em programas de treinamento atualmente é algo em torno de 15%. Sim você leu certo: quinze porcento somente! E a divulgação de horas/homem treinadas ao longo do ano é ainda um símbolo de valorização das pessoas e desenvolvimento profissional. Mas o que efetivamente essas pessoas estão entregando mais e melhor para sua organização? Ter um programa de treinamento não deve ser um imperativo ou uma marca da gestão, mas sim uma iniciativa estratégica e benéfica dentro da empresa, que agregue para a evolução dos profissionais e que traga resultado tangível para a empresa.

Mas o ponto aqui é que para descobrir o que pode ou não ser resolvido com programas de treinamento e como esta ação realmente pode beneficiar os resultados é necessário que alguém com alguma autoridade interna corajosamente questione: “Por que vamos fazer esse treinamento? Qual o benefício ele trará para a companhia? Qual desempenho estamos buscando melhorar?” E do outro lado, é fundamental que existam respostas consistentes, de pessoas que foram à fundo na análise dos seus problemas e necessidades e que realmente justifiquem este investimento de tantos recursos em programas de treinamento, demonstrando que é a melhor escolha a ser feita.

E voltando ao ponto inicial da conversa, sobre a resposta que o estudo da D1 trouxe, entendi que toda essa análise em profundidade e clareza sobre a real necessidade de um plano de treinamento como estratégia da empresa é algo desafiador para grande parte das lideranças, e ainda mais, quando os programas de treinamentos tem ‘intenções louváveis’ como é o caso de temáticas como diversidade, desenvolvimento de liderança e segurança do trabalho. Por serem temas posicionados num nível moral alto, a maior parte dos gerentes reluta em desafiar a qualidade desses treinamentos, pois seria como um posicionamento politicamente incorreto. O que não aconteceria se estivessem discutindo uma estratégia de treinamento em marketing ou atendimento ao cliente – que receberia uma revisão rigorosa, questionamentos sobre as bases que fundamentam o projeto e desafios sobre entrega de resultados. Nestes temas, todos expressam suas dúvidas e não ficam receosos em questionar se será utilizada a melhor abordagem possível e se o plano pode entregar os resultados prometidos.

Lembrei de uma reunião com um grupo gerencial em que perguntava a cada um individualmente o quanto (de 0 a 10) ele acreditava que o DDS é relevante para prevenção de acidentes. Claro que a maioria respondeu 10 e alguns 11. Teve um deles que deu nota 5 e tinha argumentos consistentes para fazer aquela afirmação, pois estava buscando melhoria nesse processo. Mas foi abafado pelas vozes do “como você pode afirmar que o DDS não é relevante?” como se estivesse dizendo alguma heresia.

Fui entendendo que quando se trata da temática de segurança, é desafiador que em uma reunião de kick off ou com pouco tempo de interação, seja possível criar um espaço de confiança para estabelecer um diálogo com mais profundidade com esta liderança, pois ainda parece ser um tabu questionar as iniciativas de segurança, afinal qualquer iniciativa dessa área tem boas intenções.

No entanto, assim como estamos vendo acontecer com outras temáticas de intenções louváveis atualmente, enquanto não nos debruçarmos sobre essa conversa, dando voz às pessoas que vivenciam a segurança no dia a dia, questionando seus pontos de dor – para melhor compreende-los, colocando luz sobre o que precisa ser melhorado, reconhecendo erros do passado e dando as mãos para buscar melhores solução juntos, vai ser difícil vencer a superficialidade de um aceno com a cabeça apoiando a nova iniciativa de treinamento da área de segurança.

A provocação é para que possamos vencer as barreiras do que é “politicamente correto” e esmiuçar melhor que tipo de segurança temos e que tipo de segurança queremos na operação das nossas empresas? O que nos impede de fazer mais e melhor? Quem pode nos responder a essas dúvidas? Como podemos trabalhar juntos nisso?

 

Referência:
JEFFERSON, A. POLLOCK, R. WICK, C. 6D´s – as seis disciplinas que transformam educação em resultado para o negócio. São Paulo: Évora, 2011.