Um dos conceitos mais desafiadores que lidamos na área de Segurança do Trabalho é o de Cultura. Com frequência atribuímos grande parte dos resultados alcançados, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis, às questões culturais. E com a mesma frequência, temos dificuldade de definir o que é cultura organizacional e saber o que fazer para influenciar na direção desejada as características da cultura que almejamos construir.
Pensando nesse cenário bastante comum, resolvi compartilhar uma abordagem sobre Cultura Organizacional que contribuiu muito para que eu pudesse ter mais clareza sobre o conceito, bem como sobre como atuar para trabalhar com traços culturais das organizações.
Mas afinal, o que é cultura organizacional?
No seu livro “Walking the talk”, Carolyn Taylor descreve a cultura organizacional como aquilo que é valorizado ou ao menos tolerado dentro de um contexto organizacional. É o resultado das mensagens recebidas sobre como se espera que as pessoas se comportem.
Estas duas frases trazem reflexões bastante importantes, no meu ponto de vista. A primeira que revela que a cultura não é só aquilo que valorizamos, mas aquilo que “toleramos”. Estamos muito acostumados a observar o que fazemos de forma ativa para influenciar a cultura, mas não costumamos refletir e analisar como nossa tolerância a determinados comportamentos dentro da organização se tornam perniciosos e acabam virando traço de cultura.
Como isso acontece na prática da segurança?
Vamos a um exemplo clássico que se relaciona com segurança: é comum que determinado colaborador que tem muitos anos de casa e que é conhecido por ser o único que “resolve os problemas” ou que “conhece os equipamentos” receba “vistas grossas” sobre aspectos de segurança, pois ele é o único que consegue ajudar em determinadas situações – não travando o processo produtivo – apesar de ser um péssimo exemplo para os colegas ou que influencie negativamente no clima da equipe.
Outro exemplo clássico dessa tolerância a determinados comportamentos, que cria características de cultura, são os líderes que ascendem em suas carreiras, porque trazem resultados fantásticos em termos de lucro e redução de custos, mesmo que isso signifique sacrificar resultados de outras questões importantes como prevenção de questões de saúde, segurança, meio ambiente, ou ainda, que impacte fortemente no clima de trabalho. Estes dois exemplos servem como um convite para pensarmos: que tipo de situações e comportamentos são tolerados dentro da minha organização?
Tem como influenciar positivamente a cultura?
E a segunda frase aborda a questão das mensagens que as pessoas recebem, sobre como se espera que elas se comportem. E neste ponto, a autora traz um caminho sobre como precisamos atuar para influenciar a cultura de maneira consciente e intencional, na direção que desejamos. E na minha prática, um dos pontos que observo como de maior contribuição para estímulo cultural. Carolyn afirma que os traços culturais de uma organização são sustentados por 3 canais de mensagens principais:
1 – Comportamentos – trata-se do método, forma de fazer as coisas dentro de determinado contexto, que é possível observar, em especial na ação daqueles que parecem ser “importantes” dentro desta realidade (líderes e figuras de autoridade). É comum que as organizações tentem exercer influência sobre o comportamento das pessoas, por meio de treinamentos, procedimentos e regras. Mas não são somente estes os elementos que influenciam o comportamento das pessoas, mas aquilo que o ambiente está oferecendo como estímulo e recompensa sobre a atuação de determinado grupo de pessoas.
2 – Símbolos – referem-se a rituais, eventos observados, práticas, campanhas e decisões às quais as pessoas atribuem um significado. Aqui cabem exemplos de influência positiva ou negativa. Como por exemplo: quando um caso em que uma pessoa se acidentou e foi demitida logo em seguida – isso gera um símbolo no imaginário das pessoas sobre o que pode acontecer com quem se acidenta, como algo pior do que o acidente. Ou ainda, um exemplo positivo: todas as pessoas da organização utilizam a mesma cor de uniforme – como um símbolo de que todos são iguais. Estes símbolos precisam ter importância e significado para as pessoas que vivem a realidade organizacional, muito mais do que por quem os criou como uma intenção de influência na cultura.
3 – Sistemas – são os mecanismos de inteligência que geram estatísticas, índices, indicadores e metas, pelos quais as pessoas serão gerenciadas e medidas, dentro de determinada organização. Podem se referir a sistemas de software que apoiem todo esse acompanhamento de resultados e como essa comunicação para as pessoas é realizada dentro da empresa.
Compreendendo que esses 3 canais de mensagem precisam ser trabalhados de forma equilibrada dentro das temáticas que são importantes para a cultura de cada organização, é possível compreender o porquê falhamos tanto em iniciativas que pretendem trabalhar aspectos de cultura. Muitas vezes investimos somente no canal de mensagem de “comportamento” e esquecemos de trabalhar e abordar os canais de símbolo e sistema. E isso pode explicar a ineficiência de algumas iniciativas e práticas que pretendem tocar na cultura das organizações.
Compartilhando um exemplo bastante prático e real que eu vivi em uma organização, e que também ilustra como estes canais de mensagem são importantes para o estímulo à cultura de segurança, quero relatar um caso da implantação de uma ferramenta de observação e abordagem de comportamentos realizada em cerca de 15 unidades de uma empresa de mineração. O projeto tinha perspectiva de duração de 2 anos – somente para implantação – e levava em consideração os 3 canais de mensagem: comportamentos, símbolos e sistemas.
Ao longo dos 6 primeiros meses, houve um trabalho intenso de planejamento para organizar o esquema de capacitação deste volume de unidades, bem como planos de comunicação e abordagens específicas que trouxessem uma simbologia importante para essa ferramenta. E ainda, um trabalho para desenvolver um sistema de registro, que pudesse trazer as informações necessárias para gestão da ferramenta. Mas ao final dos 2 anos de trabalho, tínhamos treinado um volume imenso de pessoas na metodologia da ferramenta, as pessoas capacitadas estavam extremamente alinhadas com o propósito da ferramenta e atribuindo um símbolo de cuidado e efetividade muito diferenciados à ela. No entanto, a empresa não foi capaz de desenvolver o sistema de registro (software) para que pudesse ser mais um canal de mensagens importante para retroalimentação de todo o trabalho realizado. E pouco a pouco, o trabalho foi perdendo a potência que tinha sido impressa no início.
Com esse exemplo real, foi possível evidenciar a importância do trabalho nos 3 canais de mensagens, quando se espera que um programa, projeto ou ferramenta tenha uma contribuição ou estimule algum traço de cultura da organização. Em especial, quando abordamos a temática de segurança do trabalho.
Espero que o conhecimento desse conceito e abordagem de cultura organizacional possa contribuir com a sua análise sobre seu contexto e com práticas mais apuradas para estímulo adequado da cultura da sua empresa.
Fonte: Walking the Talk: A Cultura Através do Exemplo de Carolyn Taylor