“Familiaridade com o risco produz complacência”
Esta frase se relaciona de alguma forma com algo que estamos vivendo? Sim, as pessoas de todo o mundo estão experimentando em meio a essa pandemia, o que as indústrias de risco vivenciam em sua rotina: conduzir suas ações com consciência e equilíbrio para não pender nem para um lado, nem para outro no fenômeno da percepção humana.
Trabalhar diante de perigos importantes como maquinários, ferramentas, substâncias perigosas etc. com clareza dos riscos que estes oferecem e realizar os devidos controles para não se machucar, ou prejudicar outras pessoas, é o desafio diário de milhares de pessoas e empresas. No entanto, fazer acontecer na prática não é tão fácil quanto escrever esse texto. Porque estamos lidando com um fenômeno complexo e subjetivo que se chama “percepção”.
Uma das características da nossa percepção é que à medida que estamos frequentemente expostos a um perigo, tendemos a baixar nossa percepção sobre os riscos que ele pode oferecer. Por exemplo: quantos casos de acidentes com lixadeira temos na memória, que aconteceram com pessoas que tem anos de experiência no manuseio dessa ferramenta? Uma das explicações possíveis, pode ter relação com essa complacência gerada da familiaridade adquirida com o tempo em que se manuseia este equipamento.
Neste exemplo tratamos de um perigo que é facilmente perceptível, podemos pegar, interagir, armazenar e observar este equipamento sem dificuldade. No entanto, existem vários perigos que não são observáveis, tais como: as energias (elétrica, mecânica, térmica, química, hidráulica) e as biológicas (vírus, bactérias, fungos, protozoários). Para estas classes de perigos e riscos associados, a percepção e controle sobre eles enfrenta um desafio ainda maior, pois depende do conhecimento e nível de consciência das pessoas expostas. Se é desafiador sustentar uma boa percepção e controle de riscos quando os perigos são tangíveis e observáveis, imagina então, quando este perigo é intangível, não pode ser observado?
Voltando nosso olhar para nosso cenário de pandemia, estamos vendo isso acontecer com muitas pessoas – são 3 meses em quarentena, em que estamos sendo bombardeados de informações desencontradas por todos os lados e muitas vezes não ‘vemos’ ninguém doente próximos a nós, além disso, quebramos a quarentena vez ou outra e ‘nada acontece’. Isso traz uma sensação de que está tudo sob controle. E é aí que mora o perigo: ele é invisível! Estamos há muito tempo expostos a ele e não o vemos, não percebemos ele agindo próximo a nós e então, baixamos nossa percepção sobre este risco e por consequência baixamos o cuidado necessário na exposição a este perigo. Os perigos que nós acreditamos que conhecemos e que controlamos, normalmente baixam nossa percepção e controle sobre os riscos.
No entanto, se você vivenciou casos de covid-19 próximos a você é muito provável que a sua percepção sobre o risco de contaminação seja mais adequada. Porque a proximidade e simpatia pelas vítimas gera uma percepção mais aproximada ao risco real e faz com que você não baixe suas guardas diante deste perigo, mesmo ele sendo invisível. Temos dificuldade de nos sensibilizar por meio de números e estatísticas frias. O que tende a nos mobilizar, são as histórias das pessoas e a proximidade que temos com elas. E talvez por isso muitos meios de comunicação tendem a contar as histórias das vítimas, na busca desta identificação e sensibilização.
Assim como é desafiador para as empresas que lidam com a percepção dos riscos todos os dias e precisam cuidar de sustentar uma percepção adequada dos seus trabalhadores, este momento convida todos nós a entender um pouco melhor sobre estes fenômenos da nossa percepção, com a finalidade de aumentar nossa consciência e autonomia para agir de maneira cuidadosa conosco e com o coletivo neste momento delicado, que merece nosso respeito e proteção.