Percepção de Risco: um detalhe que faz a diferença

Nesses 20 anos de trabalho dedicados à causa da segurança do trabalho, uma das questões que mais ouvi – e ainda ouço – nos ambientes laborais é: chegamos à conclusão que a causa raíz do acidente foi “falta de percepção de risco”. E isso, invariavelmente, vem acompanhado de um pedido de ajuda, pois é raro encontrar quem saiba o que fazer para trabalhar sobre isso.
Do ponto de vista do senso comum, é fácil concluir que se a pessoa tivesse se esforçado um pouco mais, se tivesse prestado atenção, se tivesse sido melhor treinada, se tivesse consultado o procedimento, teria tido percepção do risco e atuado sobre ele. E é a partir dessa perspectiva do senso comum, que conseguimos alcançar algumas milhares de horas de treinamento ao longo dos anos.

Inspirada pelo belíssimo artigo de Marcin Nazaruk, especialista em desempenho humano e organizacional – link do artigo aqui – trago uma explicação sobre um viés cognitivo que está presente em especial nessa questão da percepção de risco e quando estamos analisando determinados casos que envolvem saúde e segurança das pessoas, que é o viés retrospectivo. O entendimento deste viés fez muito sentido com a prática do que vejo acontecer ao longo dos anos em diferentes tipos de organizações e fora delas também.

Para compreender melhor, tomemos o seguinte exemplo:
Suponha que uma faxineira está fazendo limpeza de vidros de uma janela, num apartamento de segundo andar, que fica há cerca de 6 metros de distância do chão. Ela está apoiada com um pé no parapeito da janela para alcançar a limpeza do vidro do lado de fora. Não utiliza nenhum tipo de equipamento de segurança, nem para ela, nem para os utensílios de limpeza que está utilizando. Ela cumpre a atividade com sucesso.

Ao ler este caso, como você avaliaria o comportamento desta faxineira numa escala de 1 – totalmente inaceitável a 10 – totalmente aceitável?

E se agora eu dissesse que ao realizar esta atividade na última faxina, ela deixou cair um rodinho de mão com a haste de alumínio e esta ferramenta atingiu um morador que estava se dirigindo para a garagem do prédio. Como você avaliaria o comportamento dela? Utilizando a mesma escala, sendo: 1 – totalmente inaceitável a 10 – totalmente aceitável.

O que mudou em um caso e no outro? A perspectiva do resultado. Parece muito fácil e óbvio avaliar um comportamento como inaceitável, após saber que o resultado foi negativo. Mas antes disso, fica quase impossível atribuir uma avaliação inaceitável.

É exatamente assim que funciona o viés retrospectivo, que segundo Dr. Baruch Fischhoff, especialista sobre tomada de decisão sob incerteza, ele é um dos grandes responsáveis pela dificuldade que temos de aprender com o passado. Pois o conhecimento sobre o resultado de um evento em específico já altera a forma como percebemos as variáveis que estavam presentes e atuantes no contexto antes do evento.

E o que isso tem a ver com percepção de riscos? Tudo. Pois se partirmos do entendimento do viés retrospectivo, em praticamente 100% das investigações de incidentes, vamos encontrar a questão de percepção de risco como causa.

O Dr. David Woods, da Ohio State University, afirma que não basta explicar para as pessoas sobre esse viés cognitivo, mas sim trabalhar com alternativas que levem os trabalhadores a listar e avaliar o maior número de possíveis riscos (resultados negativos) que podem estar presentes em determinadas atividades, e formas de lidar com eles. Este é um exercício que estimula a todos os envolvidos nas atividades de trabalho a removerem a ilusão de que é fácil ver e prever os riscos presentes.

Outra preciosa orientação trazida pelo Dr. Sidney Dekker é que durante os processos de investigação e análise de incidentes, as famosas perguntas “Por que isso aconteceu?” ou “Por que não identificou o risco?” sejam substituídas por: “Como isso fazia sentido para eles naquele momento e situação?” e ainda “Quais eram as restrições que os impediam de fazer diferente?”.

Além do mais, o treinamento de habilidades de pensamento crítico e de questionamento por parte de toda a força de trabalho é sugerido como estímulos importantes para melhoria da percepção de riscos, diminuindo o impacto do viés retrospectivo.

Todo este conhecimento faz muito sentido quando observo a experiência prática que venho desenvolvendo nos últimos 7 anos, em especial por meio das oficinas de percepção de risco, em que fomentamos justamente a capacidade do próprio time operacional começar a levantar os riscos presentes em suas atividades cotidianas, bem como as maneiras de controlar cada um deles. Esta apropriação do conceito e o desenvolvimento da habilidade de realizar listas que contemplem diferentes percepções e perspectivas de um grupo de pessoas que realizam trabalhos juntas, é o que noto como o trabalho mais eficiente relacionado ao estímulo de uma boa percepção de riscos, dentro de determinado contexto de trabalho.

Deve-se considerar que para que isso funcione, é fundamental que exista confiança interpessoal no ambiente de trabalho, que possibilite que as pessoas conversem abertamente sobre os temas e sejam capazes de dialogar e tentar encontrar soluções por si mesmas.

Este texto contribuiu para ampliar seu entendimento sobre percepção de riscos?