Perceber o risco é suficiente para agir com segurança?

Espero sinceramente que a resposta a essa pergunta para a maior parte das pessoas que me leem esteja na ponta da língua como um grande e uníssono: não!

Infelizmente a capacidade de identificar os riscos e as ameaças que estão ao nosso redor não é o suficiente para que possamos nos comportar de forma segura. Por essa e outras razões, todas as vezes que vejo a percepção de riscos com uma das causas apontadas em relatórios de investigação de ocorrências fico bastante intrigada, uma vez que percepção de risco por si só não é suficiente para que possamos ter comportamentos preventivos como resultado.

Mas o curioso é que sem perceber adequadamente os riscos, fica ainda mais difícil praticar a segurança. Podemos dizer que a percepção de riscos é uma “preditora” de comportamento seguro, ou seja, quando uma pessoa percebe os riscos aos quais está exposta no seu trabalho, terá certamente muito mais chances de realizar os devidos controles para agir de forma segura. Mas não é garantia. E para que a sua percepção possa se transformar em comportamento seguro, é fundamental que o contexto seja favorável para que esta pessoa tome a decisão segura necessária para o controle dos riscos.

Mas o que é esse tal contexto? Aqui faço um parênteses para te convidar para ler o meu texto que explica em detalhes como compreender adequadamente esse contexto [leia aqui] e aproveito para trazer alguns exemplos de como o contexto pode influenciar negativamente no comportamento das pessoas:

  1. Turnover e preparação de novos empregados: com a mudança de estratégia na remuneração de pessoas, uma empresa deu início a um processo de troca de profissionais mais antigos – que tinham um pacote de remuneração e benefícios caro – por pessoas mais jovens e que custariam menos para organização. No entanto essas trocas aconteceram de forma rápida (em cerca de 1 ano) e com pouco cuidado na gestão dessa mudança. O que gerou um aumento significativo no número de acidentes com as pessoas mais experientes da empresa. Como os mais experientes foram se acidentar? Faltou percepção de risco? Não, eles conhecem bem os riscos, mas estavam sobrecarregados com volume de trabalho, pois as pessoas novatas na área não estavam bem preparadas para atuar em todos os detalhes que a operação demandava.
  2. Disponibilidade de recursos: certa vez ouvi relatos de mecânicos que trabalhavam na área de manutenção que estavam indo buscar peças na caçamba de reciclados para poder fazer os reparos que precisavam para fazer os equipamentos voltarem a funcionar, pois não havia peças e materiais novos disponíveis no almoxarifado. Eles percebiam o risco, mas sentiam-se pressionados a fazer os equipamentos voltarem a operar.
  3. Limpeza e acesso a equipamentos: quando uma planta opera no seu limite de capacidade para atender as metas arrojadas de produtividade, pode aumentar o número de vazamentos, transbordos e emergências, dificultando o acesso a determinados equipamentos, adicionando à rotina dos profissionais a tarefa de limpar os resíduos para conseguir realizar seu trabalho. Muitas vezes essa tarefa adicional gera riscos para os quais não estão preparados para atuar.
  4. Apoio da liderança: quando a liderança está bastante focada em realizar a entrega das metas acordadas e tem um processo produtivo que não é tão tecnológico – ou seja, depende bastante da dedicação e tomada de decisão das pessoas para entrega de resultados – e não cuida da comunicação e proximidade com as pessoas para poder fazer esses resultados acontecerem. O distanciamento e a falta de informação e de proximidade geram um clima de falta de confiança que pode impactar na forma como as pessoas vão tomar decisões no seu dia a dia.

Aqui trouxe alguns exemplos reais que vivenciei ao longo dos anos trabalhando em diferentes organizações, na tentativa de ilustrar aquilo que denomino “contexto” e o quanto ele é forte para influenciar a tomada de decisão das pessoas, sem ter a pretensão de esgotar as possibilidades sobre como esses fatores de contexto podem influenciar as ações dos profissionais que estão submetidos à ele. Costumo dizer que podemos verificar a força do contexto quando respondemos a esta questão: se fosse outra pessoa submetida exatamente às mesmas variáveis, ela responderia da mesma forma? Então, vemos que existem muitos temas a tratar de forma sistêmica na organização. E para isso, é necessário que exista um trabalho coletivo, com desejo de olhar para essas variáveis que estão presentes e influenciando na tomada de decisão das pessoas. E obviamente, agir coletivamente sobre elas.

Queria que este texto fosse curto e claro o suficiente para reforçar algo importante: perceber os riscos é fundamental, mas não é o suficiente para que uma pessoa atue de forma segura. O trabalho coletivo e sistêmico é essencial para atuar nas variáveis que podem estar criando um contexto desfavorável para saúde e segurança das pessoas.

Como você está observando e atuando sobre esses fatores coletivos?