A partir de uma perspectiva mais moderna estudada pelas ciências humanas, fica cada dia mais evidente o quanto as pessoas são a solução e não as causadoras dos problemas. Contrapondo uma abordagem mais tradicional da área de segurança do trabalho – e ainda hoje muito presente em diversas organizações – que entende que as pessoas (especialmente do público operacional), seus comportamentos e erros são as questões a serem corrigidas, consertadas e controladas dentro das organizações. Esse tipo de pensamento afirma que é dessa maneira que se alcançam resultados satisfatórios em saúde e segurança.
Mas se as pessoas são a solução, o que precisamos saber sobre elas?
O funcionamento das pessoas de maneira individual ou coletiva faz parte de um arcabouço de conhecimentos entendido por fatores humanos. O entendimento destes fatores contribui muito para que os profissionais da área de prevenção possam atuar saindo do senso comum e sendo mais assertivos nas iniciativas que realmente podem gerar resultados, colocando as pessoas na perspectiva de solucionadoras de problemas.
De modo geral, os fatores humanos estão relacionados a propriedades dos seres humanos que os caracterizam em sua maneira de funcionar, como por exemplo: comportamento, atitude, atenção, percepção, tomada de decisão, liderança, aprendizagem e cuidado. Cada um destes conceitos traz perspectivas do funcionamento do ser humano, mas não podem ser interpretadas de forma isolada, nem fora de um contexto específico em que as pessoas estão inseridas. Pois estes conceitos são separados para estudo de forma didática, mas no mundo real, não há muito como distinguir estas propriedades de funcionamento e o próprio contexto em que estão inseridas. Ainda assim, estudá-las separadamente contribui em muito para abordagens mais assertivas de temáticas que envolvem pessoas, como é o caso das áreas de saúde e segurança do trabalho.
Neste sentido, preparamos uma série de pílulas de conhecimento envolvendo os principais fatores humanos, a partir da perspectiva da Unika, para contribuir com o desenvolvimento do entendimento e atuação de profissionais que desejam sair do senso comum nessa temática, que ainda hoje parece ser uma caixa preta. A primeira pílula, é sobre o conceito de comportamento, acompanhe:
Eu ousaria dizer que o conceito de comportamento é o mais utilizado no cotidiano e o que tem maior distorção de entendimento entre os fatores humanos. Não tenho a pretensão de esgotar as possibilidades de interpretação sobre este conceito, mas selecionei 3 perspectivas que são mais habituais na minha prática, para esclarecer este conceito.
Perspectiva do senso comum
Aplicado de maneira simplista, o comportamento serve como uma forma de atribuir responsabilidade ao indivíduo, quando todos os problemas parecem estar relacionados ao “comportamento” das pessoas. É também muito comum nas organizações ouvir que o grande problema é o comportamento e isso geralmente vem acompanhado de um pedido para consertar o que as pessoas estão fazendo.
Perspectiva da Superficialidade
Quando estudado de forma superficial, ele pode ser interpretado como algo que soa como um adestramento de pessoas por meio de mecanismos isolados de esquiva, reforço e punição, que funcionam a partir de um esquema de estímulo – resposta. A partir desta visão surge uma série de programas e ações específicas estabelecendo consequências de punição ou recompensa para determinados comportamentos em detrimento de outros, com a finalidade de estimular mudança de comportamento. A questão não é a adoção deste tipo de programa – que muitas empresas possuem – mas sim o entendimento de que o programa de forma isolada irá resolver a questão de comportamentos indesejados dentro da organização.
Perspectiva Sistêmica
Quando vamos um pouco mais a fundo no entendimento do comportamento, encontramos algo que está presente em todos os conceitos de fatores humanos: este conceito não pode ser interpretado de forma isolada e fora de contexto. O comportamento de alguém é o resultado da relação desta pessoa com o ambiente em que ela está inserida. Com os estímulos que recebe em determinado contexto e quais são as ações valorizadas e não desejadas dentro deste ambiente. Somos seres sociais e recebemos alto grau de influência do contexto em que estamos inseridos para nos comportarmos de maneira A, B, C ou D. Falar sobre comportamento a partir de um lugar mais apropriado, como apontam os estudos da psicologia, é entender que as contingências – que são as condições e variáveis que estão presentes no ambiente físico, psicológico, social de uma pessoa – é que vão estimular a forma como um sujeito irá agir e se comportar num determinado contexto.
E estas variáveis formam uma trama complexa de consequências positivas ou negativas que operam o tempo todo para influenciar o comportamento das pessoas. Quais são as ações que valorizamos dentro de um determinado ambiente de trabalho? Por exemplo: quando alguém relata uma condição de risco não controlada, ela é escutada, elogiada e tem resposta rápida da organização? Ou ela é ignorada, rotulada como uma pessoa chata e fica sem resposta? Há um espaço de interesse e confiança para acolher o que as pessoas percebem como inseguro?
Num entendimento superficial, ações de reforço e punição parecem ser somente programas que implantamos para reconhecer, incentivar ou ainda, corrigir e sancionar as pessoas. Mas quando vamos mais a fundo, observamos que reforços e punições acontecem a todo momento e influenciam cada gesto mínimo das pessoas. Até mesmo o direcionamento do olhar de um líder após a fala de alguém, pode estar inibindo ou incentivando o comportamento desta pessoa. Destacando a importância de compreender os conceitos de forma sistêmica, interrelacionando as condutas com o contexto em que elas efetivamente acontecem.
Portanto, falar sobre comportamento de forma apropriada é compreender que a maior parte das ações que uma pessoa faz resulta da influência do contexto – entendido como ambiente físico, psicológico, relacional – em que está inserida. E se o desejo é que as pessoas tenham comportamentos diferentes, será essencial modificar as contingências – condições e variáveis que operam a partir do contexto – para influenciar da forma esperada o comportamento.
Perceba que os entendimentos mais superficiais sobre comportamento – de que é uma escolha do indivíduo ou de que pode ser modificado por mecanismos isolados de reforço e punição – levam as pessoas a entender que para estimular um comportamento adequado é preciso ter cada vez mais ações de comando e controle. Enquanto o entendimento mais aprofundado sobre comportamento nos leva a entender a importância de ações que ofereçam condições favoráveis para que determinado comportamento se manifeste. Isso significa dizer: melhorar segurança de equipamentos e máquinas, criar a confiança interpessoal para que as pessoas tenham espaço de fala e escuta, estimular a prática da ajuda mútua, aprimorar os sistemas de gestão para controle efetivo dos riscos. Dessa forma, a atuação sobre o comportamento coloca as pessoas como protagonistas, numa postura de colaboração e desenvolve a autonomia.
A partir desta pílula de explicação sobre o comportamento, acredito que é possível concluir a urgência de sair do senso comum no entendimento deste conceito. É só a partir de uma mudança de perspectiva que será possível atuar de maneira mais assertiva sobre o comportamento, colocando as pessoas como chave na solução dos problemas.