Comportamento Seguro e tomada de decisão

Nos temas iniciais sobre os fatores humanos, busquei esclarecer o conceito de comportamento para desmistificar alguns aspectos sobre a percepção de riscos, que são chaves para compreender o comportamento seguro, que será o foco deste texto. Convido você para apreciar estes dois textos anteriores aqui: comportamento e percepção de riscos, caso ainda não tenha visto.

Uma provocação inicial

Você já parou para pensar que o comportamento seguro pode fazer a grande diferença em diferentes contextos? Vamos imaginar dois cenários:

1) Uma fábrica caindo aos pedaços com sérios problemas estruturais por ser muito antiga.

2) Uma fábrica novinha em folha, recém-inaugurada, cheia de máquinas e equipamentos com tecnologias modernas. 

Tendemos a acreditar que o cenário 1 é onde podemos encontrar mais comportamentos de risco, pois as estruturas e condições são precárias. E que o cenário 2 é mais propício para o comportamento seguro. Mas falar sobre comportamento humano não é tão simples e com uma lógica tão direta. Pode acontecer de no cenário 1, apesar das condições físicas, a cultura organizacional ser muito forte na abordagem de aspectos humanos e no estímulo dos comportamentos seguros. E é justamente o comportamento de controle de riscos das pessoas que sustenta essa fábrica com segurança. Assim como, no cenário 2, a fábrica pode ter ótima estrutura física, com moderna tecnologia, mas não ter uma cultura que estimule o cuidado e a segurança das pessoas, o que pode fazer com que ela apresente mais comportamentos de risco do que no cenário 1, pois quando as pessoas não estão devidamente preparadas para operar equipamentos e tecnologias, o risco pode aumentar muito.

Podemos afirmar, portanto que, dentre estes dois cenários, o que tende a ter mais comportamentos seguros será aquele que melhor estimular este tipo de comportamento, seja do ponto de vista individual, organizacional, ambiental ou tecnológico – que são as dimensões abordadas pelos fatores humanos. 

Conceito de Comportamento Seguro

O comportamento seguro é um termo bastante falado e batido nos ambientes de trabalho com alto risco, justamente por ser um dos grandes desafios práticos nestes contextos. O conceito articulado pela Juliana Bley (2004) nos ensina que se comportar de forma segura é ter a capacidade de “identificar e controlar os riscos de uma atividade no presente, para que isso resulte em redução de ocorrências indesejadas no futuro, para si e para os outros”. Nesta capacidade de identificar os riscos, entra em cena a percepção de riscos que nos convida a um exercício diário de estar atentos, compartilhando aquilo que somos capazes de perceber e ter abertura para ampliar o nosso entendimento e perspectiva sobre as atividades cotidianas. O controle efetivo dos riscos, que precisa se dar no presente – aqui e agora – depende de como o contexto de trabalho é estimulado e propício para tomadas de decisão que levem em conta a saúde e segurança das pessoas. Quando alguém decide parar o trabalho para fazer um ajuste que melhore a sua segurança ou dos demais, isso é bem visto, é valorizado? Ou é entendido como desnecessário, perda de tempo?  

Tomada de ação imediata

Um dos aspectos mais importantes do conceito de comportamento seguro, no meu ponto de vista, é justamente a prerrogativa da “tomada de ação”. Quando se fala em comportamento, equivocadamente passa-se a impressão de que tudo é resolvido na base da conversa, da comunicação. O que não é verdade. Uma boa conversa sobre os riscos é capaz de investigar os principais influenciadores e causadores de comportamentos, mas não de resolvê-los. Para resolver a questão de falta de controle adequado dos riscos é essencial que as pessoas tomem ações no aqui e agora

Durante muitos anos abordando pessoas nos seus ambientes de trabalho, este foi o aspecto que mais gerou impacto para todos os envolvidos quando se trata de comportamento seguro: a tomada de ação imediata. Por exemplo: ao abordar pessoas que estavam realizando uma movimentação de carga e constatar que o isolamento e sinalização do local não estava controlando adequadamente o risco de queda de materiais que pode causar acidentes com pessoas circulantes. Após os próprios trabalhadores identificarem essa oportunidade de melhoria no controle deste risco, foram estimulados a tomar ações imediatas para que o isolamento e a sinalização fossem melhorados. E somente após ver a mudança no local de trabalho a atividade foi retomada. Este simples exemplo convida à reflexão de que não basta fazer combinados verbais ou assumir compromissos “de boca” para que possamos estimular o comportamento seguro. É imprescindível estimular a ação, oferecer a ajuda que os trabalhadores precisam, mas não fazer por eles. Acreditar e confiar que eles sabem o que e como fazer para tornar a sua atividade mais segura, tornando-os cada vez mais autônomos. Basta que possamos oferecer o tempo e as condições adequadas, tirando a segurança do “blá, blá, blá de compromissos” e passando ela para o campo da prática.

Quando tornamos a segurança das pessoas uma ação prática, saindo do campo de subjetividade dos diálogos, trazemos a questão da segurança para mais perto das pessoas, para um campo mais concreto e conseguimos ir alargando o repertório das pessoas para que possam ter mais referências para tomar decisões cada vez mais seguras. 

É fundamental que possamos compreender que a tomada de decisão sobre o controle imediato dos riscos é realizada de modo individual, mas está totalmente pautada nas possibilidades de ação que o ambiente/contexto oferecem e favorecem para a atuação das pessoas. Dificilmente alguém vai tomar uma decisão que seja contrária àquilo que o contexto relacional, físico, emocional permite – ainda que de maneira não explícita ou consciente. Isso vale para todos os níveis hierárquicos, não somente para o comportamento do público operacional. Os comportamentos e tomadas de decisão dos líderes, dos analistas, dos engenheiros, dos profissionais de áreas financeira, jurídica, humanas e outros setores também se baseiam naquilo que é permitido e estimulado, bem como naquilo que não é permitido e desencorajado dentro de determinado contexto de trabalho. 

Fica então uma pergunta: o quanto temos encorajado as pessoas (de diferentes níveis hierárquicos) a tomarem ações imediatas para controlar riscos nos ambientes de trabalho?

Abordagem Sistêmica sobre o Comportamento Seguro

O comportamento seguro é um dos temas da minha série sobre Fatores Humanos, justamente porque ele precisa ser compreendido e abordado de maneira sistêmica. Abordar o comportamento seguro de forma sistêmica é compreender justamente que esta capacidade de identificar e controlar os riscos das atividades no presente para si e para os outros precisa ser uma constante na atuação de todos os profissionais da empresa, não somente do público que está mais exposto aos riscos de acidentes – que é o operacional. Quanto mais alto o nível hierárquico, maior a responsabilidade em perceber e atuar sobre riscos que são menos tangíveis, ou que tem uma relação mais indireta com a prática laboral. Ter clareza que as tomadas de decisão de uma área de engenharia, ou de tecnologia e inovação, por exemplo, podem impactar no contexto daqueles que estão na linha de frente, é uma percepção de riscos de responsabilidade desses profissionais. O grau de investimento que a liderança escolhe fazer em tecnologias, melhores condições e estruturas físicas para segurança das pessoas, também reflete o comportamento seguro dos profissionais de alto escalão da empresa. E ainda, comportamento seguro do ponto de vista sistêmico é tratar este tema com a robustez e complexidade que merece, sem tendenciar a atuar somente sobre aspectos cognitivos das pessoas com mais treinamentos e ações de comunicação. 

Concluído

Trabalhar o comportamento seguro é um trabalho complexo, que vai muito além do que fazer um treinamento para as pessoas operacionais e para a liderança. Exige que possamos nos debruçar sobre o conceito e compreender seu poder de alcance em diferentes camadas organizacionais. 

Como podemos trabalhar com o comportamento seguro da alta direção das empresas? 

Como podemos trabalhar o comportamento seguro dos engenheiros de processo? 

Como podemos trabalhar o comportamento seguro da área de suprimentos/ compras? 

Como podemos avaliar a performance dos profissionais olhando para comportamentos seguros?

Como podemos ter indicadores que favoreçam o comportamento seguro dos diferentes profissionais? 

Estas são algumas perguntas que nos ajudam a pensar que quando diferentes níveis hierárquicos e dimensões da organização conseguem entender o seu papel para atuar com segurança, começamos a ter uma atuação mais sistêmica sobre o que chamamos de comportamento seguro.