Nos últimos 5 anos tenho tido a oportunidade de ver verdadeiras transformações acontecerem com a conduta das pessoas que trabalham em nível operacional, a partir de um melhor entendimento de conceitos muito básicos dentro da segurança das pessoas no trabalho, como a definição do que é um perigo, o que é risco e o que são os controles e barreiras.
No cotidiano os trabalhadores e até mesmo os líderes de linha de frente estão acostumados a preencher documentos como a PT (permissão de trabalho), a APR (análise preliminar de risco), e vários check-lists que envolvem identificação de possíveis riscos e seus devidos controles. Além disso, os profissionais também têm reuniões diárias em que são abordados os riscos presentes nas atividades e nos processos diários. No entanto, por diversos motivos, quando começamos a realizar um processo de alinhamento desses conceitos, notamos o quanto as pessoas têm dificuldades para conseguir identificar na prática os perigos, riscos e controles/ barreiras presentes em suas atividades.
O risco como tabu
Ainda é muito comum encontrar uma abordagem sobre o conceito de risco, que gera um certo receio de admitir que ele está sim presente nas atividades diariamente. Dentre as inúmeras conversas que eu já realizei com trabalhadores e líderes dentro de ambientes laborais ao perguntar a respeito dos riscos que percebem na sua atividade de trabalho, eu escutei como resposta que ali naquela atividade não tinha risco. Muitas vezes essa resposta é acompanhada com um tom de voz bastante afirmativo e seguro, como se pudesse dar garantia de que ali não aconteceria nenhum acidente.
Esse exemplo, bem como outras situações em que percebo o conceito de risco sendo aplicado como algo que não deveria existir no contexto de trabalho, é algo que precisa ser bastante trabalhado em diferentes níveis da organização. Precisamos retirar da palavra “risco” uma representação social de que o risco é ruim, é do mau, de que não deveríamos ter riscos nas nossas atividades. Trata-se de um trabalho de desmistificação sobre esse conceito que considero extremamente importante ser realizado pelas organizações que desejam avançar na sua cultura e resultados de segurança.
Do ponto de vista da segurança operacional, o risco é uma consequência natural quando colocamos pessoas para interagir (trabalhar) com perigos – que são todas as fontes que podem vir a lesionar alguém, como por exemplo: veículos, máquinas, ferramentas, substâncias químicas, energias, etc. Em qualquer lugar em que existir uma atividade a ser realizada existirá uma chance de algo indesejado acontecer. E é justamente a consciência e entendimento sobre isso que podem fazer com que as pessoas adotem medidas de controles e barreiras que possibilitam que elas trabalhem de forma segura e saudável diante dos perigos que lidam todos os dias.
Ao contrário disso, quando usamos a palavra risco para se referir a algo que precisa ser combatido, evitado, eliminado, algo que não deveria existir no contexto de trabalho, perdemos a chance de desenvolver o senso crítico necessário para que as pessoas compreendam a importância de cada documento, de cada procedimento, das sinalizações – como formas de possibilitar que o trabalho aconteça de forma segura. Quando as pessoas começam a compreender que o risco estará sempre presente nas suas tarefas, passam a enxergar de outra maneira todas as medidas de controle que precisam adotar no dia a dia. Isso ganha um novo significado e contribui para que a pessoa se engaje na busca de trabalhar com mais cuidado e zelo.
Estimular que as pessoas falem abertamente sobre os perigos e riscos que estão presentes nas suas atividades diárias é um dos caminhos para que possamos desmistificar esse conceito. Valorizar quando as pessoas apresentam riscos e possíveis medidas de controles que tornem o seu trabalho mais seguro também pode favorecer que a percepção de riscos seja melhor na sua área. Inclusive a própria partilha de um operador com seu grupo de trabalho sobre riscos que percebe na sua atividade pode despertar um olhar mais crítico e cuidadoso em outras pessoas presentes.
Barreiras e medidas de controle
É possível sim “eliminar” determinado risco de um processo produtivo mas, em geral, isso possui um custo altíssimo pois envolve retirar as pessoas ou o perigo em questão de um determinado processo de produção. Um evento que é raro. O mais usual, seguindo a conhecida hierarquia de controles, é que existam medidas para substituir determinadas fontes de risco, soluções de engenharia que contribuem para afastar as pessoas do contato direto com os perigos, barreiras mais ligadas ao ser humano que são as administrativas (que envolvem procedimentos, treinamentos, campanhas, documentos, sinalizações, etc) e, por último, o uso de equipamentos de proteção coletivo e individual. Esta é inclusive uma obrigação legal das empresas, pois é uma ordem fundamental na gestão de riscos. É preciso entender que quanto mais próximo estiver o controle do ser humano, menos efetiva é a barreira. Isso porque o ser humano erra e está submetido a uma série de variáveis ao longo da sua vida que podem alterar a forma como ele atua. Portanto, sempre que possível é importante atuar nas primeiras formas de controle que trazem maior efetividade.
Esse é outro conceito absolutamente básico dentro da área de segurança. Quando ele é melhor compreendido pelo nível operacional, gera um impacto na adesão das pessoas aos procedimentos e aos programas de segurança, pois elas passam a entender a conexão e o porquê de tudo isso existir dentro do contexto de trabalho: para aumentar os níveis de cuidado e controle humano diante dos perigos encontrados no cotidiano.
Por mais simples que isso possa parecer, noto o quanto esse “letramento” das pessoas nesses conceitos básicos reflete em um comportamento muito mais engajado com as práticas de segurança e uma maior adesão a todos os tipos de controles e barreiras que são necessários para cuidar das pessoas e do ambiente como um todo. Inclusive, recentemente tive feedbacks de técnicos de segurança que me disseram que depois de anos trabalhando, notaram que nunca tinham estudado esses conceitos da maneira como fizemos, nem mesmo no curso de formação. Isso traz uma confirmação sobre o quanto o alinhamento de conceitos básicos pode sim fazer diferença na segurança das pessoas. Que tal revisitar o básico?