A inspiração para falar sobre esse tema vem dos anos de experiência em que eu venho conversando com as pessoas nos ambientes de trabalho. Por força das práticas de observar e abordar comportamentos em segurança, com uma frequência alta nos últimos 6 anos, notei uma tendência comportamental em algumas empresas que me instigou e quero compartilhar.
Como todos sabem, existem diferentes práticas de observação e abordagem de comportamento no mercado. E as que funcionam melhor para efeito de mudança de comportamento, são aquelas que de fato olham para o fator humano, buscando compreender o que pode estar estimulando as pessoas a agirem de determinada maneira – seja este comportamento seguro ou inseguro. Ou seja, são aquelas práticas que não estão preocupadas em preenchimento de documentos, não estão preocupadas em regras sobre quando e como colocar um elogio no meio da conversa. Mas sim, em olhar para o outro ser humano que está na sua frente e compreender o seu trabalho, investigar suas percepções e motivações e estabelecer um diálogo sobre o propósito da segurança: os cuidados para preservação da vida. Eu sempre pratiquei observação e abordagem de comportamentos em segurança desta forma, procurando entender quem é a pessoa que está na minha frente, como ela percebe seu trabalho, os riscos presentes na atividade e como ela faz para se proteger. Esses diálogos frequentemente traziam elementos das dimensões psicológicas, cognitivas, fisiológicas e sociais que precisavam ser melhor gerenciadas pelas organizações para possibilitar comportamentos mais seguros.
Ao longo dos anos, na aplicação dessa ferramenta em vários tipos de empresas, os diálogos com as pessoas me revelavam diferentes maturidades e ambientes de confiança. Seguindo sempre o mesmo tipo de abordagem habitual da ferramenta de observação comportamental, em que primeiro cuido do meu exemplo em segurança – certificando que estou usando todos os EPI´s, seguindo as regras de segurança do local, não tocando em nada – e em segundo lugar conversando com a pessoa para criar um clima de confiança para poder realizar a observação e posteriormente estabelecer o diálogo, encontrei diferentes tipos de respostas que pareciam estar conectadas com o nível de maturidade da cultura organizacional. Ou ainda, com o paradigma presente naquela realidade.
Tenta perceber o que pode estar por trás dos dois padrões de respostas para uma pergunta frequente feita aos trabalhadores durante a observação e abordagem comportamental:
A pergunta é: “Quais os riscos você percebe no seu ambiente de trabalho?”
Em algumas empresas o padrão de resposta era: “Nenhum, aqui não tem risco não. Nós tomamos muito cuidado por aqui.”
Em outras empresas, o padrão de resposta é: “Neste trabalho há o risco de projeção de partículas, de queimadura, de queda de mesmo nível e queda em altura, além do risco de pensamento” (este é só um exemplo dentro de uma atividade específica, mas o que quero ilustrar é que neste segundo padrão de resposta, as pessoas são capazes de listar os riscos presentes nas suas atividades)
Conseguiu identificar as diferenças? Qual padrão de resposta revela um nível de maturidade e cuidado maior?
Pode parecer que ao responder que não há risco, que todos se cuidam, esse padrão de resposta revela comportamento mais seguro. E isso pode ser um engano. Em alguns casos esse comportamento pode revelar que esse é um tema proibido dentro da empresa, como se as pessoas não pudessem ter riscos dentro da atividade, falar sobre eles, ou ainda, como se elas fossem obrigadas a controlar todos os riscos. Ainda existe uma narrativa forte em algumas empresas que estimula o “acidente zero”, “risco zero”, “visão zero” que também influencia o comportamento das pessoas de não falar sobre riscos – pois eles tem que ser zero, e muito menos sobre acidentes – pois o desejável é o “zero acidentes”. Como seres humanos, somos altamente capazes de mapear o que é esperado de nós em cada sinal, frase e detalhe. Somos capazes de sentir o espaço de confiança e liberdade que temos em cada ambiente que circulamos.
O segundo padrão de respostas, tende a ser mais frequente em empresas um pouco mais maduras, que admitem que risco zero não existe, acidente zero é uma falácia e estimulam as pessoas a identificar perigos e riscos no seu ambiente de trabalho – o que oferece uma maior possibilidade de controles adequados dos riscos acontecerem, uma vez que este não é um assunto tabu, censurado, proibido. Compreender o conceito de risco e saber identificá-los nas atividades cotidianas é algo maior que preencher um documento de APR (Análise preliminar de risco). É um símbolo de que existe um ambiente de confiança que permite às pessoas conversarem sobre como elas fazem o seu trabalho no dia a dia. E a partir de diálogos mais honestos, em que as pessoas possam partilhar suas experiências na percepção e controle dos riscos, fica cada vez mais possível aprimorar os processos produtivos e cuidar da vida.
Vamos falar mais sobre riscos?