Faz sentido trabalhar a percepção de riscos?

Um dos termos que mais aparecem como causa das ocorrências com perdas nos ambientes de trabalho, ainda em 2023, é a percepção de riscos

Por mais que exista uma disseminação a respeito do quanto isso não pode ser considerado uma causa, pois uma percepção de riscos inadequada tem suas causas também, é bastante frequente encontrar isso nas análises e investigações de organizações de diferentes portes e culturas. E, na mesma proporção, observam-se planos de ação para tratar a questão de percepção de riscos, que estão longe de alcançar o âmago da questão, trabalhando de forma cognitiva por meio de campanhas de comunicação e treinamento de um atributo que não pode ser tratado somente na operação e de forma individual. 

A percepção de riscos tem uma parte que pode sim ser desenvolvida do ponto de vista individual, mas que depende completamente do estímulo do ambiente em que este indivíduo está inserido. Não se trata de dicotomizar a questão da percepção de riscos, definindo se precisa ser trabalhada individual ou coletivamente, mas de compreender de forma ampliada que a atuação precisa ser sistêmica: atuando sobre todos os fatores que podem influenciar o indivíduo e o coletivo no que se refere a sua capacidade de identificar riscos e ameaças no seu cotidiano. 

Atualmente, a ciência da segurança tem reforçado o quanto precisamos ressignificar a segurança do trabalho como uma presença de capacidades do sistema organizacional, ao invés de interpretá-la simplesmente como a ausência de acidentes. E, do ponto de vista humano, uma das capacidades mais básicas para que uma pessoa trabalhe exposta a perigos e riscos é a de ser capaz de identificar o que e como ela pode se machucar ou vir a machucar alguém, no exercício das suas atividades e de que maneira pode impedir que isso ocorra. 

Isso é válido para qualquer pessoa dentro de um contexto organizacional, desde o público operacional que costuma estar mais diretamente exposto aos perigos das atividades laborais até o público de direção e liderança que, ao não ter essa capacidade desenvolvida, pode gerar impactos gigantescos de exposição aos riscos na operação por meio da sua principal atividade dentro das empresas: tomar decisões. 

Uma decisão de um grupo gerencial, como por exemplo: reduzir custos de reposição de ferramentas, aumentar metas de produtividade, mudar uma estratégia de recursos humanos para ser mais ágil para diminuir estratégias de escuta, comprar um volume maior de matéria-prima para aproveitar oportunidade de mercado – feita sem a devida gestão de mudanças com perspectiva de impacto de riscos na operação. Todos estes são fatores latentes que podem aumentar a exposição aos riscos na operação, levando a perdas.

O fato é que ao longo dos 18 anos que trabalho com esse olhar focado no humano dentro da área de segurança do trabalho, eu vi poucas iniciativas que se propõem a desenvolver essa capacidade de perceber os riscos das pessoas. Minha hipótese primeira é de que partimos do pressuposto de que todas as pessoas são capazes de entender o que significa perigo e risco, dentro do contexto das suas atividades. Consideramos que estão aptas a preencher um checklist com uma série de riscos aos quais a pessoa acredita que estará exposta durante a sua atividade e sinalizar os seus controles/ barreiras, como se isso fosse o suficiente para ela saber como agir efetivamente com segurança nos momentos em que vivenciar uma situação arriscada. 

Não ensinamos efetivamente os conceitos de perigo, risco e controles/barreiras e como é esperado que as pessoas atuem em situações de risco no exercício de suas funções. 

Classicamente tentamos ensinar as pessoas a fazer as coisas, dizendo o que elas NÃO devem fazer. Por exemplo: “não coloque a mão na linha de fogo” – mas onde a pessoa deve colocar as mãos ao interagir com equipamento que desprende energia? “Não quero que ninguém se machuque” – mas o que as pessoas precisam fazer para não se machucar? De quais ajudas elas precisam?

E vale dizer que o preenchimento de checklists atende a uma parte do público que trabalha numa organização que é o operacional, aquele que está diretamente exposto aos perigos e riscos produtivos. Mas não existe nenhuma iniciativa que promova uma reflexão e não há um checklist para que a liderança identifique os riscos e impactos que suas tomadas de decisão podem gerar no chão de fábrica. 

Em nível estratégico, as decisões tomadas impactam de forma direta o clima organizacional e aquilo que tanto tem se falado como segurança psicológica. Por meio das decisões estratégicas, enviamos mensagens para todo o público sobre o quanto efetivamente identificamos quais impactos e riscos essa decisão tem para as pessoas e o que está sendo feito para gerenciá-los, na busca de demonstrar o cuidado genuíno com as pessoas a cada decisão. Que é exatamente o contrário de supor que as pessoas saberão como lidar com as mudanças, com crises, ou que elas sabem gerenciar os riscos. E aqui me refiro inclusive a pessoas que ocupam cargos gerenciais.  

Mas será que existe espaço para falar sobre riscos?

Uma segunda hipótese é a de que tendemos a não dar muito espaço para as pessoas falarem sobre riscos, porque parece ainda ser um tema tabu, como se falar sobre o assunto fosse um prenúncio de que vai acontecer um acidente. 

Sendo que, na verdade, uma das coisas que pode fazer a percepção de riscos ser melhor é justamente o exercício de falar cada vez mais sobre os perigos e riscos aos quais as pessoas estão expostas e como elas têm realizado os controles e utilizado barreiras para não se machucar. 

Contribuir com o viés do quanto é fundamental estimular o tema de percepção de riscos para todos, incluir os níveis de liderança, trabalhar o assunto entre o próprio grupo de líderes para que sejam capazes de comunicar com cada vez mais eficiência as decisões e mudanças que acontecem cotidianamente numa organização são necessidades básicas que precisam ser sempre revisitadas e reforçadas para uma melhor atuação com as pessoas. 

As pessoas são capazes de compreender e contribuir com todos os tipos de cenários possíveis, desde que elas saibam e que elas se sintam envolvidas como parte da solução. 

Concluindo, aos meus olhos, trabalhar a percepção de riscos é essencial para construir a capacidade de atuar de forma segura nas organizações. De um lado, instigando uma responsabilidade individual com o público operacional, por meio de um melhor alinhamento de conhecimentos, estimulando sua atenção e consciência para identificação de riscos e ameaças e gerando autonomia para agir sobre elas. E por outro lado, que considero ainda uma grande oportunidade na maior parte das organizações, trabalhar na capacidade da liderança de identificar no exercício de suas atividades táticas e estratégicas, quais são os riscos e impactos que cada decisão que tomam podem gerar em diferentes aspectos para a operação. 

Caso queira saber um pouco mais sobre com aprimorar a percepção de riscos das pessoas da sua empresa, você pode consultar as 5 lições essenciais que detalhei em outros artigos:

1. Como conceitos básicos podem fazer diferença em segurança

2. Cada pessoa percebe uma parte da realidade

3. A percepção de riscos é altamente influenciada pelo contexto coletivo

4. A Importância do exercício e variação de estímulos na Percepção de Riscos

5. Perceber o risco é suficiente para agir com segurança?