A Percepção de Riscos na Segurança do Trabalho

A percepção é um dos fatores humanos que mais me fascina por sua subjetividade e amplitude de conhecimento. Quando associamos a noção de risco a este fenômeno, ele ganha uma complexidade ainda maior e é isso que pretendo explorar neste texto. 

Partindo da minha experiência prática, com quase 20 anos acompanhando esse tema em indústrias de alto risco, noto que a percepção de riscos é interpretada como uma das grandes causadoras de ocorrências dentro das organizações, sendo muitas vezes atribuída como uma habilidade de responsabilidade de cada pessoa e que, portanto, pode ser treinada do ponto de vista cognitivo. E mais: que depois de bem treinada, não causa mais problemas. Esse é um grande mito a ser quebrado. 

Escolhi discorrer aqui sobre uma abordagem da percepção de riscos que trouxe mais resultados em termos práticos dentro da minha atuação. Compreender o que é percepção, o que é risco e depois como essas duas palavras formam um conceito ainda mais complexo é o objetivo que tenho aqui, além de trazer sugestões de como podemos melhorar a percepção de riscos do ponto de vista prático.

PERCEPÇÃO 

A percepção é uma capacidade de atribuir significados e interpretar os estímulos que recebemos a todo momento por meio dos nossos 5 sentidos. A capacidade de interpretação desses estímulos está relacionada aos nossos filtros que se relacionam aos conhecimentos, experiências e sentimentos prévios que temos sobre cada estímulo recebido. Por exemplo: a primeira vez que eu entrei em uma indústria em que me disseram que um dos perigos que estaria presente era uma “ponte rolante”, eu consegui imaginar uma esteira que se movia como uma escada rolante de shopping ou de aeroportos. Porque se tratava do conhecimento e da experiência que eu possuía até aquele momento. Somente após eu viver a experiência de entrar numa indústria e ver uma ponte rolante operar, consegui então atribuir um novo significado para “ponte rolante”. 

Como um fenômeno psíquico, a percepção opera muito conectada com o sistema límbico, que traz um certo automatismo para a forma como nós interpretamos as coisas. Este sistema cerebral sofre alta influência do ambiente social e do clima emocional presente nas relações de determinado contexto, fazendo com que uma pessoa tenha liberdade de atribuir significados de maneira livre ou de ser influenciada por um significado já atribuído por aquele grupo de pessoas que está inserida. Quanto mais confiança e segurança um grupo de pessoas inspirar, melhor e mais clara será a capacidade de alguém expressar as suas percepções e ressignificá-las. 

A percepção humana tem suas limitações, não é possível perceber e interpretar os fatos, objetos e fenômenos em sua plenitude de forma individual. É como se cada pessoa fosse capaz de perceber “fatias” da realidade. Ela tem um ponto de vista e uma perspectiva própria, que pode sim ser ampliada à medida em que a pessoa tem abertura para isso e está inserida em um contexto de confiança que a estimula a ampliar sua perspectiva. 

ATENÇÃO

A perspectiva de realidade que cada pessoa consegue ter é formada a partir daquilo em que se coloca atenção. É como se a atenção guiasse a nossa capacidade perceptiva. Então, a atenção funciona como uma lente com enquadre que vai capturando os eventos, os fatos da realidade, a partir deste ponto de vista. Quanto mais colocamos atenção em determinado tema, mais ampliamos nossa percepção sobre ele. Daí a importância de realizarmos conversas frequentes e interessantes sobre as questões de prevenção para que elas entrem no foco de atenção das pessoas.

RISCOS

Completando a noção de percepção de risco, vamos falar um pouco sobre este conceito: risco. Apesar da área de segurança do trabalho apresentar um cálculo para definição e parecer ser um conceito objetivo, o conceito de risco carrega uma carga de subjetividade imensa. Isso porque tem interpretações diferentes, dependendo do contexto, podendo inclusive assumir uma perspectiva de riscos de ganho – como é o caso do risco de ganhar na loteria. 

Uma das definições que faz mais sentido por se enquadrar bem em diferentes situações é a de que risco é uma palavra que se refere ao futuro, e que, portanto, só existe no campo da nossa imaginação. Avalie quando falamos sobre os riscos presentes nas atividades de trabalho. Estamos querendo que a pessoa “imagine” o que pode acontecer de errado na relação dela com os perigos que estão presentes enquanto trabalha. E esta é uma capacidade imaginativa que, novamente, está associada ao conhecimento, experiência e sentimento prévios que uma pessoa apresenta sobre determinado trabalho ou atividade. E é algo que se passa dentro da cabeça de cada pessoa. Só é possível saber o quanto uma pessoa percebe o risco se pudermos conversar e expressar o que e como cada um percebe. 

No entanto, ainda presencio a palavra risco associada a algo indesejado, que deve ser combatido, evitado e eliminado nos ambientes de trabalho. O que acaba gerando um ambiente em que as pessoas têm medo, receio e perdem a oportunidade de falar, trocar as suas percepções e imaginações sobre o que pode acontecer de errado em determinados contextos. 

O fato é que sempre irão existir riscos nos ambientes laborais. Onde existirem pessoas e perigos, haverá riscos. E o que precisa ser feito de mais importante é gerenciar e controlar estes riscos na medida em que um grupo de pessoas consegue compartilhar suas percepções individuais sobre os riscos a que estão expostas e encontrar formas cada vez melhores de gerenciá-los. 

PERCEPÇÃO DE RISCO 

A percepção de risco, portanto, é sempre um julgamento subjetivo, uma inferência, que busca equilibrar recompensas percebidas e o que pode ou não acontecer de indesejado, em decorrência da exposição ao perigo. Este conceito de Adams (1995) é o que faz mais sentido com a minha experiência prática, pois refere-se exatamente a uma conta mental que fazemos em milésimos de segundos, quando estamos diante de um perigo e pensamos: pode acontecer algo errado aqui ou não? E se cada pessoa é capaz de perceber uma perspectiva da realidade, e não ela de forma completa, para que realmente a percepção de riscos das pessoas seja aprimorada, é imprescindível promover a troca de percepções entre pessoas dentro de um ambiente de segurança e respeito pelos diferentes pontos de vista, com a intenção de integrar e ampliar a capacidade e interpretação dos riscos presentes no trabalho. 

INTERVENÇÃO SOBRE PERCEPÇÃO DE RISCOS 

Este trabalho de externalizar as perspectivas individuais sobre os riscos precisa ser estimulado de maneira frequente na organização. Não é uma habilidade que pode ser treinada como uma “dose única”. Ou seja, não basta eu colocar as pessoas numa sala de treinamento e dar uma aula de 8 horas sobre percepção de riscos. Isso não fará diferença na sua capacidade de perceber os riscos. Isso porque a percepção de riscos sofre influência de fatores sociais, emocionais, físicos e cognitivos presentes em cada grupo/contexto. O que realmente pode agregar, tornando essa capacidade viva, oxigenada, atualizada nos profissionais, é criar uma possibilidade de que as pessoas conversem sobre os riscos presentes nas suas atividades de forma aberta, com um ambiente de escuta, pensando em como conseguem realizar suas atividades de forma segura, explorando os controles e barreiras que utilizam e sugerindo possíveis melhorias. 

Se você se interessar, pode ler um estudo de caso em que implantei oficinas de percepção de riscos aqui.

É importante frisar que estas oportunidades devem ser frequentes, mas não diárias. Nossa percepção tende a se acostumar com os estímulos que são muito frequentes e a realizar diariamente não surte o mesmo efeito. Então, a orientação é que isso aconteça quinzenalmente ou mensalmente, com um tempo e estrutura de qualidade. 

PERCEPÇÃO DE RISCO E COMPORTAMENTO SEGURO

Não menos importante do que tudo o que já foi explicado sobre percepção de riscos, é lembrar que ela é a preditora de comportamento seguro. Isso quer dizer que quanto melhor percebemos os riscos, aumentamos as chances de termos comportamentos seguros – de ter os riscos efetivamente controlados no momento exato, para si mesmo e para os outros. Mas, a percepção de riscos sozinha não garante comportamento seguro. É preciso que exista uma tomada de decisão consciente para controle destes riscos.

Entendendo melhor sobre este importante conceito e, em especial, sobre como atuar sobre ele, você se sente preparado para atuar na sua empresa?

 

Referências:

  • Adams, J. (1995). Risco. São Paulo: Editora SENAC São Paulo.
  • Goleman, D. (2014). Foco: a atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Rio de Janeiro: Objetiva.